quarta-feira, 5 de outubro de 2011


A Cruz: 
equívocos de interpretação



No dia 14 de setembro a Igreja ce
lebra,
todos os anos, a "exaltação da Santa Cruz”.
A festa recorda a época em que a fé cristã,
tornada religião livre, e aos poucos
hegemônica na Europa, propiciou aos
cristãos cunharem símbolos de sua
identidade, que favorecessem sua afirmação
social e cultural.
O contexto histórico da fragmentação do
império romano, favoreceu a constituição de
uma nova entidade, com as suas diversas
dimensões de ordem religiosa, cultural, social
e econômica.
No âmbito do antigo império, foi emergindo
a Igreja. Ela expressava o grande número de
pessoas que passaram a fazer da nova fé
religiosa, um elo de vinculação social, com
suas práticas e seus símbolos.
Entre estes símbolos, sobressaiu a cruz. Pela
maneira como ela evocava acontecimentos
fundantes da nova fé, a cruz se tornou o símbolo  mais eloqüente, com a vantagem de ser ao
mesmo tempo simples na sua configuração, e profundo na evocação dos fatos centrais relativos
a Cristo.

Foi então que cresceu a curiosidade por encontrar a cruz autêntica usada na execução de Cristo
no calvário. Assim, o interesse pelo símbolo, despertou o interesse pelo objeto.
Nos inícios da Igreja primitiva não se encontra nenhum rastro deste interesse pelo objeto
concreto da cruz de Cristo. Ao contrário, os fatos testemunham o grande impacto causado pela
presença viva do Ressuscitado. Se ele estava vivo, pouco interessavam os instrumentos de sua
morte. Não se comprova nenhum interesse em identificar ou guardar objetos que tinham estado
em relação pessoal com Cristo. Ninguém se preocupava em saber onde teria ido parar o manto
de Cristo, onde estaria o cálice usado por ele na última ceia, e assim por diante.

Só depois de estruturada como entidade, a Igreja passou a cultivar os símbolos de sua identidade.
Foi então que emergiu a importância da cruz, como portadora de uma simbologia muito
profunda, e bem caracterizada.
Todo símbolo recebe o seu significado do  relacionamento concreto com os fatos que o
constituíram como sinal. Cultivando esta vinculação, se aprofunda o significado do símbolo.
Quanto mais, por exemplo, se relaciona a cruz com o testemunho de amor que Cristo expressou
por ela, mais a cruz se torna símbolo de sua mensagem.
Mas, por contraste, quanto mais se vincula um sinal que já tinha o seu significado próprio, com
contextos contrários a este significado, o símbolo inverte sua mensagem no novo contexto
associado a ele.
Foi o que aconteceu com a cruz. Usada na morte de Cristo, passou por sua primeira grande
metamorfose simbólica, deixando de ser sinal de condenação, para se tornar, para os cristãos,
sinal de salvação.
Mas infelizmente, os cristãos usaram a cruz como símbolo das "cruzadas” contra os povos que
habitavam a antiga "terra santa”. De tal modo que, para esses povos, até hoje a cruz é maldita,
pois evoca os equívocos cometidos nestes episódios históricos.
Tanto que os cristãos precisam agora relativizar o uso da cruz no seu relacionamento com os
muçulmanos.
Até entre os próprios cristãos, o uso da cruz não é unânime. Viajando pelo interior dos Estados
Unidos, dá para distinguir claramente a diferença de cemitérios. Onde os túmulos são encimados
pela cruz, o cemitério é católico. Onde os túmulos são desprovidos de cruz, o cemitério é
protestante.
Parece que os cemitérios acabaram entrando na conversa de hoje, para dizer que os
desentendimentos humanos são quase fatais. Até nossas bandeiras podem se tornar símbolos
equivocados, se não soubermos distinguir, afinal de contas, entre o significante e o significado.
A propósito, o sábio provérbio latino nos adverte: "Cave a signatis!”. Isto é, cuidado com os
marcados por símbolos!(Dom Demétrio Valentin, Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira)


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